Uma lágrima, e adeus


... Meus pés corriam por entre o bosque úmido, aspirando apenas, outra vez, lançar-me aos braços de Bernard com a necessidade delicada que um rio tem de desaguar no oceano. Alguns dos galhos secos e quebrados ao chão machucavam-me as pernas, quando mais ligeiramente procurava correr, entretanto, a dor de uma ferida aberta naquele instante, não doeria como em anos a ausência de Bernard me dói. Aos poucos brotava a imagem do imenso campo que era o destino no qual encontraria Bernard. Sobrestive-me no limite do bosque e dos campos, subitamente meus cabelos esvoaçaram com o soprar dos ventos outonais. Todo meu corpo pálido eriçou-se, elevei as mãos aos lábios e recriei a exata presença de Bernard, outra vez. Todo meu amor excitava-se em um frenesi de saudade e desejo. Abri os olhos, de repente pousando-os sobre o jardim e o avistei.
- Oh ele estava tão vivo quanto nas minhas memórias, seus cabelos longos emaranhavam-se com a brisa morna, relumbrando o castanho-âmbar na presença dos tons dourados do sol, como se dele zarpassem raios de luz semelhante a um ser divino, qual eu devotara toda minha existência e afeição desde que para mim ele um dia se apresentara - Alcei o vestido florido, e segui saltando feito uma borboleta alçando vôo livremente sobre a aura do dia, feito uma fada deslizando os horizontes do universo, até seu encontro sem que ele pudesse notar-me. De repente parei como se houvesse uma muralha de ferro á minha frente. Soltei as rendas do vestido, e a alegria que estanciava em meu rosto escapoliu dando lugar a uma dicção pasma e confusa. Escondi-me entre as árvores, de forma que minha presença não pudesse  ser percebida. Então os vi. Sentados á margem do lago, Bernard e (pelo que o ouvi a chamá-la) Cecíla.
Bernard sorria para Cecíla como um dia sorrira para mim. Cecíla fitava aqueles olhos azuis pronfundos como eu fizera nos tempos antigos para afundar-me neles. Abraçava-a como se seus braços fossem protegê-la de todo perigo que poderia proceder com a chegada da noite, e ela, o agarrava fortemente como eu também um dia me agarrara àquele corpo branco, macio e quente, meu antigo abrigo nos dias de tempestades...
Fechei meus olhos, a alma sucumbia aos gritos em meu corpo, o fôlego cada vez mais raro, a cada palavra que comutavam por carícias, que em anos esperei voltarem para mim. Imaginei-me, no lugar de Cecíla quando percebi alguma forma de sentimento surgir daqueles olhos que se fundiam com o brilho fosco do sol sobre suas têmperas, sentindo os poros abertos por cada beijo, cada toque, cada respiração ao pé da nuca... Bernard começara a fluir em meu corpo como uma chama queimando o meu coração, rendia-me aos pensamentos delirantes de minha cabeça, como a fraca claridade do dia rendia-se as nuvens noturnas, espessas e densas. Aquela sensação mais sombria e misteriosa de adeus, fazia com que lágrimas abrasassem meus olhos. Aos poucos deslizei até tombar sobre as pedras, o mirar cerrava-se, por um instante para que tudo ao redor silenciasse, cedendo lugar aquela canção tão antiga quanto às montanhas de Kinsale. Todos os meus sonhos exauriam como sentimentos que agora só se remetem ao passado, um passado tão profundo quanto o das minhas lembranças. Não remanecia-me outro destino, a não ser agonizar com a solidão que jamais seria suprida. Todas as minhas fantasias de sonhos infantis estavam demolidas, resumindo-se ao pó, ao pó cinza da morte. Levantei-me sem força alguma, olhos estonteamente irritados, e pela última vez os vi, não com olhos de ódio ou rancor, mas com os olhos que amavam, amavam intensamente aquele homem.
(...) Me confortava imaginar que Cecíla o amava, o amava tanto quanto um dia eu pude amar, e já que meus braços jamais poderiam estar ali outra vez,
me acalentava tristemente o espírito saber que ela o protegeria nas madrugadas em que acordasse soluçando por seus pesadelos noturnos. Cecíla, e não eu, o aquentaria se viesse a sentir o frio da solidão ranger em seu corpo. Cecíla estava tão perto e eu agora tão distante os deixaria, os abandonaria em sua felicidade, felicidade que nunca mais poderei compartilhar.
Um grito longo e sinistro escapou de meus lábios, todos os pássaros a beira do lago, fugiram de ímpeto. Para eles deveria ser algum animal agitado no bosque, e eu era sim, um animal faminto, sendo estraçalhado pelas lanças do abandono, padecendo ferido pelo fio da espada sangrando entre as pedras. Um animal que gritava para o horizonte uma chance para ainda tê-lo, embora isso fosse impossível.
Nosso amor continuaria, sim, continuaria, apenas nas nossas lembranças, pois para nossos corações talvez isso venha bastar.
Esse amor multiplicar-se-ia na nostalgia das madrugadas, eu não deixarei de existir, mesmo que que nos olhos de outra. C
- Cecíla! Cuide do meu bebê, do meu amado, do meu cavaleiro, do meu tesouro maior no mundo, do meu Bernard, como se cuidasse de tua própria vida. -
Dói essas palavras escapando entre meus dedos, dói as lágrimas caindo sobre o papel borrado, doerá pra sempre a saudade de Bernard.


Minha alma esvaiu de meu corpo pousando ao lado de meu amado, para estar perto de sua vida, para que antes mesmo que Cecíla, eu possa o guardar, o proteger, para sempre.




''Eu ainda estou lá, em todos lugares, eu sou a poeira no vento
Eu sou a estrela no céu nórdico.
Eu nunca fiquei em qualquer lugar, eu sou o vento nas árvores...''
Forever - Stratovarius

Comentários

  1. mas qualquer despedida é dolorosa...

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  2. Senticomo se vc tivesse tirado um pedaço de si mesma no outro. Muito realista, triste e real.
    Pena! Chorar sim. Até a última lágrima, depois....
    Beijos!!
    Carla

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